Você já sentiu a solidão da incompreensão? Parece
que você é a única pessoa do mundo a ver as coisas de uma determinada maneira;
parece que só você pensa assim, só você é assim. A beleza do trabalho
terapêutico é a aproximação ao mundo existencial das pessoas. No consultório, o
partilhante (paciente) conta como vê o mundo, os outros e a si mesmo; como
sente, pensa, planeja, age... O objetivo de um filósofo clínico não é julgar, replicar, rebater ou convencer;
mas investigar, compreender, pensar junto com o partilhante. Assim,
acompanhando os relatos das vivências das pessoas é possível observar que,
embora pareça que só você pense diferente, muitos de nós pensamos, sentimos,
compreendemos, agimos e somos de maneiras radicalmente distintas do que é
considerado “normal”, “comum”.
Se conseguíssemos ouvir mais os outros, observar sem julgar e sem querer
convencer o outro de que estamos certos, e se conseguíssemos interlocutores com
a mesma postura de escuta atenta, de disposição para pensar junto conosco,
talvez percebêssemos que esse “ver, pensar e sentir diferente de todo mundo” é
muito mais comum do que imaginamos. Consequentemente, a solidão de ser o único
ser no universo a não partilhar um mundo ou um sistema pré-estabelecido seria
minimizada.
Você já observou como as pessoas enxergam o mundo de modo tão singular? Já teve
curiosidade em saber como as pessoas constroem suas visões de mundo? Por que pensam
como pensam? São como são? Já observou isso em você mesmo?
A solidão de constatar nossa “inadequação” ao padrão instituído, ao “ser como
todo mundo é”, pode, de um lado, nos entristecer, nos deprimir. Pode excluir,
calar, isolar; pode provocar sofrimento e estagnação na tentativa de uma
pseudo-adequação a um sistema ou opinião vigentes. De outro lado, pode ser
exatamente essa solidão a nos levar a dizer algo em nosso próprio nome, a
suscitar o surgimento de uma novidade radical, a propiciar um olhar para nosso
modo de ser, nossas forças, fragilidades e medos, e, consequentemente, nos
permitir a construção de formas de vida adequadas a nossas necessidades.
Solidão em questão
A
solidão em questão é a solidão de quem pensa, sente, fala e vive por si mesmo,
ainda que suas ideias contrariem a ordem estabelecida, a opinião vigente, o
padrão instituído. Essa solidão é o “abandono” do qual nos fala Sartre: estamos
sós e sem desculpas; somos responsáveis por aquilo que fazemos de nós e,
consequentemente, pela humanidade que construímos.
É comum encontrar pessoas que reivindiquem e ao mesmo tempo temam a liberdade,
que busquem e não suportem conviver com a solidão. O estar só não é uma
constatação fácil, mas também não é uma opção. Ainda que estejamos cercados por
outras pessoas ou por uma verdadeira multidão; ainda que muitos pensem como nós
sobre diversos aspectos; ainda que muitos jurem presença, companhia e partilha
eternas; ainda assim estamos sós. Partilhamos alguns momentos, temos companhia
às vezes, mas somos os únicos responsáveis por aquilo que fizemos de nós
mesmos, pelas formas de vida que escolhemos construir e viver.
Você já se sentiu só diante de sua própria voz? Já se percebeu rejeitado,
excluído, porque falava por si mesmo? O pensar diferente provoca, em muitas
pessoas, a sensação de inadequação, o medo de enlouquecer, a vergonha por não
ser como todo mundo é, a solidão.
Há certa confusão entre solidão e rejeição. Estar só é falar por si mesmo, é
não ter diante de si, nem atrás de si, algo que lhe ampare, que lhe sustente; é
não representar ou ser representado por algo. Rejeição é repulsa, desaprovação.
Estar só não implica em rejeição e esta não leva necessariamente à solidão.
Solidão implica em falar em próprio nome
O que muitas vezes ocorre é o medo de ser rejeitado
por dizer algo por si mesmo e desagradar o outro. Quando se diz algo por si,
quando se compreende que a solidão implica em falar em próprio nome, em não se
esconder atrás de uma instituição ou de uma coletividade, novos rumos se abrem.
Expõe-se aquilo que se é, mostra-se em suas forças e fragilidades. É como estar
nu diante de uma platéia vestida. E a platéia pode gostar ou não do espetáculo.
E se o outro não gostar do que vê? E se não pensar como eu? E se eu não
encontrar respaldo na opinião vigente? O medo que paira sobre a aceitação ou a
rejeição de nossas ideias, muitas vezes nos cala.
Contudo, calar é também uma postura, uma postura que pode nos manter sós. Não
um calar para nada dizer, um aquietar-se para ouvir o outro, mas um calar por
medo de pensar diferente, por medo de um julgamento.
Seria a solidão um sentimento diante da ausência de um outro, da ausência de
vínculos? Seria ela uma ausência de si mesmo? Ou seria ela o assumir-se só
diante da vida, o ato de falar por si mesmo, ainda que junto com o outro, em
postura atenta e radical? Se você é ou se sente só, como significa sua solidão?
O que ela provoca em você?
Por Monica Aiub