Nesse romance, de sua fase mais influenciada pelo
naturalismo, Eça de Queirós ataca a corrupção do clero e a hipocrisia da média
burguesia portuguesa, questionando seus valores morais
Publicado
pela primeira vez em 1875, O Crime do Padre Amaro denuncia a corrupção dos
padres, que manipulam a população em favor da elite, e a questão do celibato
clerical. É com esse livro que Eça de Queirós inaugura, na prosa, a estética do
realismo-naturalismo em Portugal. A obra caracteriza-se pelo combate ao
idealismo romântico que se estabelecia até então, em prol de uma visão mais
crítica da sociedade. Sua versão definitiva foi publicada em 1880.
ROMANCE DE TESE
O Crime do
Padre Amaro é o primeiro romance de Eça. Em vez da subjetividade romântica, os
autores do realismo-naturalismo, como o próprio nome da escola literária
indica, buscavam retratar a realidade de forma objetiva.
Naquela
época (segunda metade do século XIX), o Ocidente vivia um período de grandes
transformações, com a Segunda Revolução Industrial. O cientificismo passou a
predominar, com novas correntes filosóficas e teorias, entre as quais o
positivismo de Comte, o determinismo de Taine, o evolucionismo de Darwin e o
socialismo científico de Marx e Engels. Essa perspetiva racionalista e
materialista leva os intelectuais a estudar o impacto social da
industrialização e do liberalismo.
Passam a
ser discutidas as desigualdades que essas mudanças trouxeram para a sociedade,
como o surgimento de uma nova classe que é oprimida pela burguesia: o
proletariado.
Daí a
substituição do romance de entretenimento pelo romance de tese, que visa a
descrever e a explicar os problemas sociais sob a luz das novas idéias. Neles
há a crítica, muitas vezes feroz, às instituições que servem de base para a
sociedade burguesa, como o Estado, a Igreja e a família.
Portugal,
que muito tempo antes havia deixado de acompanhar o progresso de outras nações
européias, passa nesse momento a servir de palco para a mobilização de jovens
que ansiavam por mudanças radicais. É nesse contexto que Eça de Queirós começa
a se destacar. Em sua fase realista-naturalista, inspirado pelos franceses
Gustave Flaubert e Émile Zola, escreve romances como O Crime do Padre Amaro e O
Primo Basílio, que buscam atacar a corrupção do clero e a hipocrisia da média
burguesia portuguesa.
NARRADOR
A narrativa
é em terceira pessoa e o narrador tem onisciência, ou seja, conta a história
com conhecimento dos pensamentos e das ações dos personagens. Isso facilita o
processo de distanciamento entre o autor e a obra. Apesar disso, é possível
perceber a antipatia que Eça sente por vários dos tipos retratados, em especial
os padres e as beatas, por causa da ironia e dos adjetivos rudes, muitas vezes
grosseiros, que utiliza em suas descrições. Isso é revelador de uma postura
anticlerical, comum entre os escritores realistas.
TEMPO E ESPAÇO
A maior
parte da narrativa concentra-se em uma província chamada Leiria, sede do
bispado para onde o padre Amaro consegue transferência. O tempo compreende os
anos de 1860 a 1870, aproximadamente, e se desenvolve de forma cronológica,
linear, com eventuais voltas ao passado, quando o autor, após apresentar alguns
dos personagens, conta a história de Amaro e de como ele se tornou padre.
ENREDO
Após perder
os pais, que serviram à marquesa de Alegros, Amaro cai nas graças da mulher,
que o toma como agregado, planejando criá-lo para o sacerdócio. Isso acaba se
efetivando, apesar da ausência de vocação e de interesse do jovem, que, desde
cedo, possuía uma índole libidinosa. Triste e resignado, Amaro se ordena padre,
sempre tentando conter os fortes impulsos sexuais que sente.
Embora
temesse a Deus e fosse devoto, odeia a vida eclesiástica que lhe fora imposta.
Depois de exercer seu ofício em uma província interiorana, consegue, por
influência da condessa de Ribamar – filha de sua protetora, a marquesa –,
mudar-se para Leiria.
Nesse
ponto, Eça descreve como os interesses do clero estão atrelados aos interesses
políticos. É o marido da condessa quem intervém junto a um ministro para
solicitar ao bispo a transferência de Amaro, apesar de sua pouca idade, para a
sede do bispado.
Em Leiria,
o jovem padre aceita a sugestão do cônego Dias para morar em um quarto alugado
na casa da senhora Joaneira – com quem Dias mantinha um caso –, auxiliando, em
troca, nas despesas da casa. O quarto de Amaro fica exatamente embaixo do de
Amélia, filha da dona da casa. Já no primeiro contato, Amaro e Amélia sentem
forte atração mútua, que se desenvolve aos poucos e provoca o desinteresse da
moça por João Eduardo, de quem era noiva.
O fato que
desencadeia a ofensiva de Amaro sobre Amélia é algo que o jovem padre
presencia: certo dia, ao chegar à residência da senhora Joaneira, encontra-a na
cama com o cônego Dias. A partir daí, apesar de ter mudado de casa, Amaro vai
perdendo os escrúpulos e se deixa levar pela atração sexual, seguindo o exemplo
de seu antigo mestre.
O autor,
além da crítica feroz que desfere contra o clero, toca também em outro tabu da
época: a sexualidade.
É comum que
os escritores vinculados à corrente naturalista, como era Eça na época em que
escreveu esse romance, dêem ênfase ao erotismo que domina os personagens. Isso
faz parte de sua caracterização, como apregoa o determinismo de Taine, segundo
o qual os seres humanos são submetidos ao condicionamento pela herança, pelo
meio social e pelo contexto histórico, que regem seu comportamento. Isso
significa que, embora os personagens tentem, num primeiro momento, se prender a
um padrão moral mediado pela consciência, acabam agindo pelos impulsos naturais
de sobrevivência da espécie, principalmente o desejo sexual.
João
Eduardo, enciumado, publica anonimamente no jornal local um artigo em que
denuncia a imoralidade de alguns padres de Leiria, especialmente de Amaro. Esse
fica indignado e passa a evitar Amélia, pensa até mesmo em abandonar o
sacerdócio. No entanto, os padres descobrem o autor do texto polêmico e levam
João Eduardo a deixar a cidade.
GRAVIDEZ E MORTE
É nesse
momento que, no auge do desejo, Amaro e Amélia trocam o primeiro beijo. Para
facilitar a sedução, Amaro se torna o confessor de Amélia, o que revolta João
Eduardo, levando-o a dar um soco no pároco na rua. Após retirar a queixa contra
seu agressor e ser visto como um santo pelas beatas (entre as quais Amélia),
Amaro conduz a jovem para seu quarto e os dois têm a primeira relação sexual.
A nova
criada do padre, Dionísia, alerta para o perigo dessa exposição e lhe recomenda
que ache um local secreto para os encontros amorosos. A solução é a casa do
sineiro da igreja, o Tio Esguelhas, deficiente que vive com uma filha, Antônia,
a Totó. A desculpa para os encontros é a preparação de Amélia para se tornar
freira e também ler textos religiosos a Totó.
O fascínio
que Amaro exerce sobre Amélia é cada vez maior, até que ela começa a ter crises
de consciência. A pedido da senhora Joaneira, o cônego Dias investiga o caso e
fica sabendo, por meio de Totó, o que ocorria entre seu pupilo e a moça. Após uma
discussão e trocas de acusações entre os dois, porém, o cônego e o padre passam
a se tratar como sogro e genro.
Amélia
então engravida, o que leva Amaro ao desespero. Com o cônego Dias, decidem
casá-la com João Eduardo quanto antes. Ela se revolta com a idéia, mas acaba
aceitando, o que faz com que o padre amante sinta ciúme. Para consolá-lo,
decidem, então, continuar os encontros amorosos após o casamento.
O ex-noivo
de Amélia, contudo, não é encontrado, o que os leva a buscar outra solução, já
que fica cada vez mais difícil ocultar a gravidez. A histeria da moça aumenta,
até que optam por enviá-la ao subúrbio para cuidar de dona Josefa, beata
enferma irmã do cônego, enquanto os outros passam uma temporada na praia.
Entristecida
por se separar da mãe e pelo abandono de Amaro, que permanece em Leiria, Amélia
fica angustiada e entra em profunda crise. A situação é agravada pela censura
de dona Josefa. A jovem encontra consolo então no bom abade Ferrão, um dos
poucos personagens apresentados como íntegros na narrativa. Ele ouve a
confissão de Amélia e a aconselha a superar a atração que ainda sente pelo
padre. Amaro, ao saber disso, cego de desejo e ciúme, procura mais uma vez
Amélia, que não resiste e se entrega novamente. O abade, por outro lado, tenta
inutilmente unir a moça com o reaparecido João Eduardo, ainda apaixonado por
ela.
O momento
do parto se aproxima, e Amaro é aconselhado por Dionísia a enviar o bebê a uma
“tecedeira de anjos”, mulher que mata recém-nascidos indesejados. Nasce a
criança, que o pai leva à ama encarregada de fazer com que desapareça, em troca
de pagamento.
Amélia não
resiste e, pouco tempo depois, sofre de convulsões e morre. Amaro, triste por
causa da morte da amante, tenta recuperar o filho, mas é tarde. A criança já
havia sido morta. Traumatizado, ele sai de Leiria e é transferido. Em Lisboa,
buscando de novo a ajuda do conde de Ribamar, reencontra o cônego Dias. Ambos
concluem que o remorso sentido pelo caso havia sido superado. Afinal, “tudo
passa”.
guiadoestudante.abril.com.br
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