Tendo o marido partido
para a guerra, na primeira noite da sua ausência a mulher acendeu uma lanterna
e pendurou-a do lado de fora da casa. "Para trazê-lo de volta,"
murmurou. E foi dormir.
Mas, ao abrir a porta
na manhã seguinte, deparou-se com a lanterna apagada. "Foi o vento da
madrugada," pensou olhando para o alto como se pudesse vê-lo soprar.
À noite, antes de
deitar, novamente acendeu a lanterna que, a distância deveria indicar ao seu
homem o caminho de casa.
Ventou de madrugada.
Mas era tão tarde e ela estava tão cansada que nada ouviu, nem o farfalhar das
árvores, nem o gemido das frestas, nem o ranger das argolas da lanterna. E de
manhã surpreendeu-se ao encontrar a luz apagada.
Naquela noite, antes de
acender a lanterna, demorou-se estudando o céu límpido, as claras estrelas.
"Na certa não ventará," disse em voz alta, quase dando uma ordem. E
encostou a chama do fósforo no pavio.
Se ventou ou não, ela
não saberia dizer. Mas antes que o dia raiasse não havia mais nenhuma luz, a
casa desaparecia nas trevas.
Assim foi durante
muitos e muitos dias, a mulher sem nunca desistir acendendo a lanterna que o
vento, com igual constância apagava.
Talvez meses tivessem
passado quando num entardecer, ao acender a lanterna, a mulher viu ao longe
recortada contra a luz que lanhava em sangue o horizonte, a silhueta escura de
um homem a cavalo. Um homem a cavalo que galopava na sua direção.
Aos poucos, apertando
os olhos para ver melhor, distinguiu a lança erguida ao lado da sela, os duros
contornos da couraça. Era um soldado que vinha. Seu coração hesitou entre o
medo e a esperança. O fôlego se reteve por instantes entre lábios abertos. E já
podia ouvir os cascos batendo sobre a terra, quando começou a sorrir. Era seu
marido que vinha.
Apeou o marido. Mas só
com um braço rodeou-lhe os ombros. A outra mão pousou na empunhadura da espada.
Nem fez menção de encaminhar-se para a casa.
Que não se iludisse. A
guerra não havia acabado. Sequer havia acabado a batalha que deixara pela
manhã. Coberto de poeira e sangue, ainda assim não havia vindo para ficar.
"Vim porque a luz que você acende à noite não me deixa dormir,"
disse-lhe quase ríspido. "Brilha por trás das minhas pálpebras fechadas,
como se me chamasse. "Só de madrugada depois que o vento sopra posso
adormecer."
A mulher nada disse.
Nada pediu. Encostou a mão no peito do marido, mas o coração dele parecia
distante, protegido pelo couro da couraça.
"Deixe-me fazer o
que tem de ser feito, mulher," disse sem beijá-la. De um sopro apagou a
lanterna. Montou a cavalo, partiu. Adensavam-se as sombras, e ela não pode
sequer vê-lo afastar-se contra o céu.
A partir daquela noite,
a mulher não acendeu mais nenhuma luz. Nem mesmo a vela dentro de casa, não
fosse a chama acender-se por trás das pálpebras do marido.
No escuro, as noites se
consumiam rápidas. E com elas carregavam os dias, que a mulher nem contava. Sem
saber ao certo quanto tempo havia passado, ela sabia porém que era tanto.
E, passado , num final
de tarde em que a soleira da porta despedia-se da última luz no horizonte, viu
desenhar-se lá longe a silhueta de um homem. Um homem à pé que caminhava na sua
direção. Protegeu os olhos com a mão para ver melhor e aos poucos, porque o
homem avançava devagar, começou a distinguir a cabeça baixa, o contorno dos
ombros cansados. Contorno doce, sem couraça, retendo o sorriso nos lábios-
tantos homens haviam passado sem que nenhum fosse o que ela esperava. Ainda não
podia ver-lhe o rosto, oculto entre a barba e o chapéu, quando deu o primeiro
passo e correu ao seu encontro, liberando o coração. Era seu marido que voltava
da guerra.
Não precisou
perguntar-lhe se havia vindo para ficar. Caminharam até a casa. Já iam entrar.
Quando ele se reteve. Sem pressa voltou-se, e, embora a noite ainda não tivesse
chegado, acendeu a lanterna. Só entrou com a mulher. E fechou a porta.
MARINA COLASANTI
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