Nos tempos de Jesus os homens adúlteros não
sofriam punição severa. Todavia, a mulher adultera era arrastada em praça
pública, suas vestes rasgadas e, com os seios à mostra, eram apedrejadas sem
piedade. Enquanto sangravam e agonizavam, pediam compaixão, mas ninguém as
ouvia. A cena, inesquecível, ficava gravada na mente e perturbava a alma para
sempre.
Certa vez, uma mulher foi pega em adultério.
Arrancaram-na da cama e a arrastaram centenas de metros até o lugar em que
Jesus se encontrava. A mulher gritava “Piedade! Compaixão!”, enquanto era
arrastada; suas vestes iam sendo rasgadas e sua pele sangrava esfolando-se na
terra.
Jesus estava dando uma aula tranquila na
frente do templo. Havia uma multidão ouvindo-o atentamente. Ele lhes ensinava
que cada ser humano tem um inestimável valor, que a arte da tolerância é a
força dos fortes, que a capacidade de perdoar está diretamente relacionada à
maturidade das pessoas. Suas idéias revolucionavam o pensamento humano, por
isso começou a ter muitos inimigos. Na época, os judeus constituíam um povo
fascinante, mas havia um pequeno grupo de radicais que passou a odiar as idéias
do Mestre. Quando trouxeram a mulher adultera até ele, a intenção era
apedreja-lo juntamente com ela, usa-la como isca para destruí-lo.
Ao chegarem com a mulher diante dele, a
multidão ficou perplexa. Destilando ódio, comentaram que ela fora pega em
flagrante adultério. E perguntaram qual era a sentença dele. Se dissesse “Que
seja apedrejada”, ele livraria a sua pele, mas destruiria seu projeto
transcendental, seu discurso e principalmente seu amor pelo ser humano, em
especial pelas mulheres. Se dissesse “Não a matem!”, ele e a mulher seriam
imediatamente apedrejados, pois estariam indo contra a tradição daqueles
radicais. Se os fariseus tivessem feito a mesma pergunta aos discípulos de
Jesus, estes provavelmente teriam dito para mata-la. Assim se livrariam do
risco de morrer.
Qual foi a primeira resposta do Mestre diante
desse grave incidente? Se você pensou: “Quem não tem pecado atire a primeira
pedra!” , errou, essa foi a segunda resposta. A primeira foi não da resposta,
foi o silencio. Só o silencio pode conter a sabedoria quando a vida está em
risco. Nos primeiros 30 segundos de tensão cometemos os maiores erros de nossas
vidas, ferimos quem mais amamos. Por isso, o silencio é a oração dos sábios.
Para o Mestre dos Mestres, aquela mulher, ainda que desconhecida, pobre,
esfolada, rejeitada publicamente e adultera, era mais importante do que todo o
ouro do mundo, tão valiosa como a mais pura das mulheres. Era uma jóia
raríssima, que tinha sonhos, expectativas, lágrimas, golpes de ousadia, recuos,
enfim, uma historia fascinante, tão importante como a de qualquer mulher. Valia
a pena correr riscos para resgata-la.
Para o Mestre dos Mestres não havia um padrão
para classificar as mulheres. Todas eram igualmente belas, não importando a
anatomia do seu corpo, não importando nem mesmo se erravam muito ou pouco.
Jesus precisava mudar a mente dos acusadores, mas nunca ninguém conseguiu mudar
a mente de linchadores. O “eu” deles era vítima das janelas do ódios, não eram
autores da sua história, queria ver sangue. O que fazer, então?
Ao optar pelo silencio, Jesus optou por
pensar antes de reagir. Ele escrevia na areia, porque escrevia no teatro da sua
mente. Talvez dissesse para si mesmo: “Que homens são esses que não enxergam a
riqueza dessa mulher? Por que querem que eu a julgue, se eu quero amá-la? Por
que, em vez de olhar para os erros dela, não olham para seus próprios erros?”
O silencio inquietante de Jesus deixou os
acusadores perplexos, levando-os a diminuir a temperatura da raiva, da tensão,
oxigenando a racionalidade deles. Num segundo momento, eles voltaram a
perguntar o veredicto do Mestre. Então, finalmente, ele se levantou. Fitou os
fariseus nos olhos, como se dissesse: “Matem a mulher! Todavia, antes de apedreja-la,
mudem a base do julgamento, tenham a coragem de ser transparentes em enxergar
as suas falhas, erros e contradições”. Esse era o sentido de suas palavras.
“Quem não tem pecado atire a primeira pedra!”
Os fariseus receberam um choque de lucidez com
as palavras de Jesus. Saíram do cárcere das janelas killer e começaram a abrir
as janelas light. Deixaram de ser vítimas do instinto de agressividade e
passaram a gerenciar suas reações. O homo sapiens prevaleceu sobre o homo bios,
a racionalidade voltou. O resultado é que eles saíram de cena. Os mais velhos
saíram primeiro porque tinham acumulado mais falhas ao longo da vida ou porque
eram mais conscientes delas.
Jesus olhou para a mulher e fez uma delicada
pergunta: “Mulher, onde estão seus acusadores?” O que ele quis dizer com essa
pergunta e por que a fez? Em primeiro lugar, ele chamou a adultera de “mulher”,
deu-lhe o status mais nobre, o de um ser humano. Ele não perguntou com quantos
homens ela dormira. Para o Mestre dos Mestres, a pessoa que erra é mais
importante do que seus próprios erros. Aquela mulher não era uma pecadora, mas
um ser humano maravilhoso. Em segundo lugar, perguntou: “Onde estão os seus
acusadores? Ninguém a acusou?” Ela respondeu: “Ninguém”. Ele reagiu: “Nem eu”.
Talvez ele fosse a única pessoa que tivesse condições de julga-la, mas não o
fez. O homem que mais defendeu as mulheres não a julgou, mas compreendeu, não a
excluiu, mas a abraçou. As sociedades ocidentais são cristãs apenas no nome,
pois desrespeitam os princípios fundamentais vividos por Jesus. Um deles é o
respeito incondicional pelas mulheres!
O homem que mais defendeu as mulheres não
parou por aí. Sua ultima frase indica o apogeu da sua humanidade, o patamar
mais sublime da solidariedade. Ele disse para a mulher: “Vá e refaça seus
caminhos”. Essa frase abala os alicerces da psiquiatria, da psicologia e da
filosofia. Jesus tinha todos os motivos para dizer: “De hoje em diante, sua
vida me pertence, você deve ser minha discípula”. Os políticos e autoridades
usam seu poder para que as pessoas os aplaudam e gravitem em sua órbita. Mas
Jesus, apesar do seu descomunal poder sobre a mulher, foi desprendido de
qualquer interesse. “Vá e revise a sua historia, cuide-se. Mulher, você não me
deve nada. Você é livre!”
Jesus a despediu, mas ela não foi embora. E
por que? Porque o amou. E, por ama-lo, o seguiu para sempre, inclusive até os
pés da cruz, quando ele agonizava. Talvez essa mulher tenha sido Maria
Madalena. A base fundamental da liberdade é a capacidade de escolha, e a capacidade
de escolha só é plena quando temos liberdade de escolher o que amamos. Todavia,
estamos vivendo em uma sociedade em que não conseguimos sequer amar a nós
mesmos. Estamos nos tornando mais um numero de cartão de crédito, mais um
consumidor potencial. Isso é inaceitável.
AUGUSTO CURY
(Texto adaptado do livro: A ditadura da
Beleza e a revolução das mulheres.)
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