Eu queria chorar pelos que não choram.
Eu queria chorar pelos olhos secos,
Pelos olhos que são fontes
Onde as mágoas se purificam e se libertam.
Eu queria chorar pelos corações feridos
E que sangram
obscura e silenciosamente.
Eu queria chorar pelas almas mártires
Que estão invisivelmente entre nós.
Eu queria chorar pelos indiferentes
E pelos que escondem num sorriso
As decepções de uma incompreendida bondade.
Eu queria chorar pelas almas fechadas,
Pelas almas que são como os desertos
E que não conhecem a libertação das lágrimas!
Augusto
Frederico Schmidt
Ah, quanta
vez, na hora suave
Em que me esqueço,
Vejo passar um voo de ave
E me entristeço!
Porque é ligeiro, leve, certo
No ar de amavios?
Porque vai sob o céu aberto
Sem um desvio?
Porque ter asas simboliza
A liberdade
Que a vida nega e a alma precisa?
Sei que me invade
Um horror de me ter que cobre
Como uma cheia
Meu coração, e entorna sobre
Minh ’alma alheia
Um desejo, não de ser ave,
Mas de poder
Ter não sei quê do voo suave
Dentro do meu ser.
Vejo passar um voo de ave
E me entristeço!
Porque é ligeiro, leve, certo
No ar de amavios?
Porque vai sob o céu aberto
Sem um desvio?
Porque ter asas simboliza
A liberdade
Que a vida nega e a alma precisa?
Sei que me invade
Um horror de me ter que cobre
Como uma cheia
Meu coração, e entorna sobre
Minh ’alma alheia
Um desejo, não de ser ave,
Mas de poder
Ter não sei quê do voo suave
Dentro do meu ser.
[Fernando Pessoa, In: 'Cancioneiro', Obra
Poética, p.138]
Ponho um ramo de
flores
na lembrança perfeita dos teus braços;
cheiro depois às flores
e converso contigo
sobre a nuvem que pesa no teu rosto;
dizes sinceramente
que é um desgosto.
Depois,
não sei por que nem porque não,
essa recordação desfaz-se em fumo;
muito ao de leve foge a tua mão,
e a melodia já mudou de rumo.
Coisa esquisita é esta da lembrança!
Na maior noite,
na maior solidão,
vem a tua presença verdadeira,
e eu vejo no teu rosto o teu desgosto,
e um ramo de flores, que não existe, cheira!Miguel Torga
cheiro depois às flores
e converso contigo
sobre a nuvem que pesa no teu rosto;
dizes sinceramente
que é um desgosto.
Depois,
não sei por que nem porque não,
essa recordação desfaz-se em fumo;
muito ao de leve foge a tua mão,
e a melodia já mudou de rumo.
Coisa esquisita é esta da lembrança!
Na maior noite,
na maior solidão,
vem a tua presença verdadeira,
e eu vejo no teu rosto o teu desgosto,
e um ramo de flores, que não existe, cheira!Miguel Torga
Antes que a
angústia desça é preciso partir
Não importa para onde, não importa para longe de quem
Ó como o mesmo céu sufoca e a mesma ventura mata!
Abandonar o corpo gasto de sol e a alma gasta de sono
Raspar os velhos sapatos na branca soleira da casa do tédio
E surgir como um animal morno de silencioso passo.
Nada a conhecer ...Sim, são verdes as montanhas
E quanta vaga expiação deixam os livros no pensamento
E acima de tudo existe Deus serenamente inacessível.
Mas viver, ah, viver é doloroso, é incompreensível
Não se sabe quando! ...não se sabe nunca... E quando se sabe
É para receber o golpe mortal da tragédia no mais fundo.
Não importa para onde, não importa para longe de quem
Ó como o mesmo céu sufoca e a mesma ventura mata!
Abandonar o corpo gasto de sol e a alma gasta de sono
Raspar os velhos sapatos na branca soleira da casa do tédio
E surgir como um animal morno de silencioso passo.
Nada a conhecer ...Sim, são verdes as montanhas
E quanta vaga expiação deixam os livros no pensamento
E acima de tudo existe Deus serenamente inacessível.
Mas viver, ah, viver é doloroso, é incompreensível
Não se sabe quando! ...não se sabe nunca... E quando se sabe
É para receber o golpe mortal da tragédia no mais fundo.
Vinícius de
Moraes
Nenhum comentário:
Postar um comentário